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14 junho 2011

O Estrago do Velho Existencialismo na Nova Música


O Século XX conheceu filósofos comprometidos com uma cosmovisão chamada existencialismo. Só para que o leitor tenha uma idéia resumida, Jean-Paul Sartre, da França, foi um desses filósofos existencialistas. Ele dizia que a existência humana era justificada por um ato simples da vontade. Basta querer e fazer alguma coisa, e a vida terá sentido.

O problema é que essa visão não se importava com a ética em si. Por exemplo, se uma senhora idosa precisasse de ajuda para atravessar a rua e um jovem a ajudasse apoiando seu braço, seria uma atitude significativa. No entanto, se o jovem desse um cascudo em sua cabeça e mandasse ela se virar, tanto faz, também é um ato significativo, porque em ambos os casos, constatamos simples atos da vontade.

Esse tipo de existencialismo, chamado de secularista, anulou a idéia de bem ou mal, certo ou errado. A ética passou a legitimar tudo, porque se tratava de um ato da von-tade. A influência desse tipo de pensamento se espalhou e acabou penetrando as igrejas. Recentemente, a Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos da América (PCUSA) aprovou oficialmente a ordenação de pastores(as) homossexuais e transsexuais. Os argumentos são fundamentados na mesma lógica existencialista, onde o indivíduo se torna o fator determinante do que é certo ou errado.

Infelizmente, o existencialismo tem mantido suas afiadas garras encravadas nas igrejas quando as pessoas não se importam com algum padrão doutrinário. O que im-porta é a sua intenção diante de Deus. O que vai no coração é o que interessa. Não a forma como você se conduz. Sendo assim, práticas bisonhas e esdrúxulas são justificadas pela boa intenção do adorador. Quando se apela ao princípio regulador do culto, a resposta é sempre a mesma: “a Confissão de Fé de Westminster foi relevante para a sua época e não responde às nossas questões hoje”. O problema é que a CFW interpretou as Escrituras usando o método gramático-histórico de interpretação, o que elimina fatores tendenciosos na conclusão do significado do texto. Sendo assim, ela tem valor hoje sim.

Agora perceba outra maneira do existencialismo mostrar a que veio: veja como boa parte das músicas que se cantam hoje são dominadas pelo “eu” e pelo ato da vontade do indivíduo:

Eu vejo a glória do Senhor hoje aqui
A sua mão o seu poder sobre mim
Os céus abertos hoje eu vou contemplar
O amor descer neste lugar

Eu quero ver agora o teu poder
A tua glória inundando o meu ser
Vou levantar as mãos e vou receber
Vou louvando o teu nome
Porque eu sinto o Senhor me tocar

Tem certas idéias e ensinamentos que passam despercebidos aos nossos olhos nem sempre críticos. Além do mais, a beleza inegável dos acordes, da linha melódica e dos arranjos tendem a nos envolver emocionalmente ao ponto de nos tornar enfeitiçados e nos fazer tolerar o intolerável. Por essa razão, vou comentar algumas frases da música, mas peço que o nobre leitor leia com a mente aberta para perceber certas coisas que, de repente, não percebeu enquanto cantava nos cultos.

Primeiro, repare a exagerada ênfase no “eu”: Eu vejo a glória do Senhor hoje aqui. São nove referências diretas e indiretas ao “eu” numa música de poucas palavras. Note também o caráter subjetivista da letra, ao afirmar que a glória do Senhor que ele vê é “a sua mão o seu poder” sobre si. A mão e o poder de Deus pode ser qualquer coisa: desde sentimentos e sensações puramente emocionais à persuasão sincera pela Palavra. No entanto, observe como não há qualquer precisão na descrição do fenômeno. A próxima frase carece de melhor formulação, pois a construção à luz da Palavra não faz sentido: “Os céus abertos hoje eu vou contemplar”. Essa frase conta com a liberdade poética para fazer esse tipo de afirmação; no entanto, nossa liberdade poética não nos permite fazer afirmações que absolutamente não possui respaldo bíblico. A visão do céu aberto foi apocalíptica. Somente João e Estêvão viram os céus abertos além dos que presenciaram o batismo de Jesus. Então dizer que vai ver o céu aberto no sentido de provar da ação de Deus na própria vida é importar um sentido do texto e aplicá-lo a outra situação incabível, além de forçar a barra.

Agora a prepotência do adorador se torna a marca crucial: “Eu quero ver agora o teu poder”. Além da ênfase no “eu”, conforme já descrevi antes, de onde vem essa prepotência de querer ver o poder de Deus? Isso nos lembra o reprovável desejo dos fariseus de verem a demonstração do poder de Deus. Eles eram incrédulos. Também dizer que quer ver agora o poder de Deus soa estranho depois de Jesus dizer a Tomé, que bem-aventurados são os que não viram e creram. O poder de Deus não tem que ser visto; tem que ser crido. Os fariseus pediram para Jesus fazer um sinal e ele disse que o único sinal que ele lhes daria seria o de Jonas. Isso fazia referência à sua ressurreição, ao terceiro dia, como demonstração gloriosa do poder de Deus e de sua evidente messianidade. Hoje somos conclamados a crer no Senhor Deus cujo poder ressuscitou a Cristo dentre os mortos. Prefiro a letra do Stênio Marcius, que diz: “eu quero ser, não quero ter; eu quero crer, não quero ver” (“E Se...” – do CD “Canções à Meia Noite”).

Mas a prepotência do adorador não para por aí. Mais à frente, outra frase revela a ênfase no “eu existencial”: “Vou levantar as mãos e vou receber”. Note de novo a prepotência de quem acha que Deus está obrigado a dar alguma coisa. Na melhor das hipóteses, o “eu” do discurso poderia dizer “vou levantar as mão e oferecer”. Até porque o ato de levantar as mãos na Bíblia sempre denota a oferta e não a recepção de alguma coisa. Mas o “eu” existencial é assim mesmo. Ele se importa em justificar sua existência, se importa em ser feliz recebendo coisas o tempo todo. Não é à toa que o “evangelho da prosperidade” reúne tantos fiéis em torno de líderes que prometem ouro, prata, TVs gigantes, carros sofisticados e casas “apaine-ladas”. Basta determinar, levantar as mãos para receber, que o criado-mor vai dar o que a gente quiser.

Para fechar essa análise, considere o último trecho: “Vou louvando o teu nome porque eu sinto o Senhor me tocar”. Se alguém se perguntou se poderia piorar, creio que este trecho responde bem. Esse trecho é muito infeliz porque ele coloca o ato de louvor a Deus de forma condicional. O “porque” indica uma explicação. A razão porque eu vou louvando é porque “eu sinto o Senhor me tocar”. Note o subjetivismo exacerbado mais uma vez. A ênfase no sentir é puramente subjetiva. E se o “eu” existencial do discurso não sentir o toque de Deus, seja lá o que esse toque quiser significar? Nesse caso ele não vai louvando porque não sentiu nada de extraordinário? O louvor ao Senhor é tarefa incondicional da igreja. Os Salmo 150 diz que devemos louvar a Deus pelos seus poderosos feitos e consoante a sua muita grandeza. O Salmo 34 afirma: “Bendirei ao Senhor em todo o tempo; o seu louvor estará sempre nos meus lábios”. Independente da situação, de maneira incondicional, devemos louvar ao Senhor. Mesmo quando estamos atravessando um deserto espiritual, passando por momentos de provações e até crises em nossa pequena fé, ainda assim devemos louvar, mesmo quando não sentimos nada de especial, mesmo na igreja.

Finalmente, deixe-me sugerir uma postura ideal para que nossa adoração fuja dos efeitos do existencialismo. Primeiro, tenhamos na palavra o padrão do que é certo ou errado. Ela é o critério se algo será aceitável ou não no culto que prestamos a Deus, e não a minha boa intenção. Lembremos que a verdade é objetiva e está revelada na Palavra. Segundo, evitemos essa ênfase exacerbada no “eu”. Nossa adoração junto com a congregação, na igreja, não é individual; é coletiva, comunitária. Embora alguns salmos tragam o “eu” como sujeito do discurso, muitos outros também conclamam o povo de Deus ao louvor. Vemos no NT o retrato da igreja como organismo, corpo de vários membros, mas que possuem um propósito em comum, sendo buscado por todos conjuntamente: a glória de Deus. Terceiro, concentremos mais a nossa atenção em Deus e em sua vontade. Não pensemos primeiramente em nossa satisfação; pensemos primeiramente em agradar a Deus. Nosso prazer decorrerá do fato de Deus se agradar de nosso culto primeiro. Nossa adoração será agradável a Deus a partir do momento que Cristo estiver no centro e não o “eu” existencial. Que Deus nos abençoe e nos ajude a nos humilhar em sua presença.

Pr. Charles

5 comentários:

Gabriela Costa 16 de junho de 2011 às 10:52  

Muito bom, pr. Charles.

É isso mesmo. Infelizmente alguns dos nossos compositores cristãos estão compondo sobre tudo, menos sobre a Palavra. Parece que perderam a classe. O contraste é tão grande que, de músicas que eram inteiramente um texto da Bíblia, como o Salmo 98 do VPC, temos agora músicas nas quais precisamos procurar bastante e com muito esforço pra achar alguma doutrina bíblica em meio a sentimentalismos e invenções humanas, isso quando há.
Assim como você, também prefiro a música do Stênio.

Paz!
Gabriela.

Heleno Filho 17 de junho de 2011 às 19:02  

Charlão, texto brilhante e profundo. Temos que bombardear esses pressupostos existencialistas que estão adentrando a igreja de Cristo. Continue um profeta à serviço de quem o comissionou!
Abraços!!

Charles Oliveira 20 de junho de 2011 às 18:36  

Gabriela,

Pensando nisso, acabamos de gravar um CD novo "Belo Horizonte", com músicas de farto conteúdo bíblico. Quando estiver saindo da fábrica, vamos avisar para quem quiser poder adquirir um.

Abraço!

Charles Oliveira 20 de junho de 2011 às 18:39  

Heleno,

Obrigado pelo apoio! É importante que ajudemos os crentes a reconhecerem essas cosmovisões e evitem fazer sínteses delas com o evangelho.

Abraço!
Charles

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