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16 maio 2011

Precisamos Ouvir mais Bíblia e Doutrina nas Músicas!



A modernidade tem testemunhado um movimento nas ciências e nas profissões. À medida que os profissionais vão se especializando cada vez mais numa determinada área cada vez menos abrangente, seu conhecimento geral vai se tornando cada vez mais superficial. É possível que um ortopedista especialista em cirurgia da mão não saiba o que fazer quando um paciente com o cotovelo fraturado lhe demandar cuidados. Na música cristã, a mesma tendência segue em passos largos, encaminhando músicos e poetas ao confortável, mas traiçoeiro caminho da superficialidade.
Esse fenômeno começou a marcar a vida das igrejas a partir do momento em que a experiência pessoal ganhou o papel preponderante na sociedade em geral, na proporção em que os pressupostos existencialistas conquistaram a mente dos cristãos. John MacArthur Jr, em seu livro Ouro de Tolo (Editora Fiel) analisou com precisão a hinódia mais recente (de dois séculos para cá) em comparação com a mais antiga. Sua conclusão foi de que, a partir do momento em que Ira Sankey e outros compositores exploraram a experiência pessoal nos hinos, eles se tornaram mais superficiais e menos densos em conteúdo teológico ou bíblico. Hinos que falavam da cruz de Cristo, dos atributos de Deus, da justificação pela graça mediante a fé e outros temas consagrados da teologia cristã perderam lugar para testemunhos pessoais de algum convertido. Como exemplo, posso citar o hino “Conversão”, cuja letra diz:

Em cegueira eu andei e perdido vaguei
Longe, longe do meu Salvador!
Mas da glória desceu, o seu sangue verteu
E salvou este pobre pecador.

     Foi na cruz, foi na cruz que um dia eu vi
     Meu pecado castigado em Jesus!
     Foi ali pela fé, que meus olhos abri
     E agora me alegro em sua luz!

Já ouvia falar dessa graça sem par,
Que do céu trouxe Cristo Jesus!
Mas eu surdo me fiz, converter-me não quis
Ao Senhor que por mim morreu na cruz.

Mas um dia senti meu pecado, e vi
Sobre mim o castigo da Lei!
Apressado fugi, em Jesus me escondi,
E abrigo seguro nele achei.

Que ditoso, então, foi o meu coração,
Conhecer o excelso amor,
Que levou meu Jesus a sofrer lá na cruz,
E salvar este pobre pecador.

Veja bem, não há nada de errado com a teologia do hino; o problema é que eu, por exemplo, não poderia cantar esse hino como se fosse a minha experiência pessoal, porque minha conversão definitivamente não se deu dessa forma. Fui criado na Igreja Presbiteriana, meus pais e irmãos me instruíram no Caminho, o Marcelo Gualberto pregou uma mensagem esclarecedora quando eu tinha 8 anos na 3ª Igreja Presbiteriana de BH em 1981, o que me levou a um compromisso com Cristo. Há talvez centenas de milhares de presbiterianos que nem sequer experimentou uma conversão dramática ou até mesmo alguma mudança em sua vida pelo fato de ter sido criado na igreja sem nunca ter se desviado. É sobre esse tipo de hino que MacArthur fala, que contribuiu para a superficialidade no repertório moderno. No entanto, não pretendo dizer que o conteúdo doutrinário do hino “Conversão”, por exemplo, seja ruim. Não! Ele fala de conceitos profundos como o papel da lei no sentido de avultar a iniqüidade e o sofrimento vicário de Jesus Cristo. A citação desse hino se deve ao fato de que o testemunho pessoal nos hinos abriu a porta para o “eu” e para a superficialidade.
Hoje é muito mais comum ainda o “eu” nas músicas. “Eu vejo a glória do Senhor hoje aqui”... “Eu quero ver agora o seu poder”... “Eu abrirei meu coração e vou deixar tua cura entrar”... (nem sei o que significa esse negócio de deixar a cura de Deus entrar!) “abra os olhos do meu coração, [eu] quero te ver”... “Eu te seguirei... Eu te ouvirei”...
As letras das músicas são cada vez menores e as repetições cada vez maiores e mais numerosas. O Michael W. Smith repetiu 10 vezes a estrofe “our God is an awesome God He reigns from heavens above with wosdom, Power and Love, our God is an awesome God” no seu disco Worship. No mesmo disco, repetiu 31 vezes a frase “It’s all about you” na música The Heart of Worship. Gosto muito do trabalho competente do Michael W. Smith, mas esse excesso de repetições tem mais trazido problemas do que soluções.
O cúmulo da superficialidade para mim veio à tona quando um irmão muito crente e sincero me falou que a letra mais linda para ele era “Jesus”. Veja bem, esse não era o título da música; era a letra completa: somente “Jesus”. A música durava algo em torno de 3 minutos, somente falando “Jesus”. Eu disse naquela hora: “se a letra fosse apenas Jesus é o caminho, pelo menos alguma idéia já seria transmitida”. Nem a Coca-Cola, interessada em impor sua marca na mente de todos usaria um jingle somente com a palavra “Coca-Cola”. Eles sempre comunicam algo mais, uma idéia, pelo menos.
Eu gostaria, sinceramente, que o leitor não me julgasse antipático ou crítico demais. Apenas se pergunte se eu tenho ou não razão. Observe as letras das músicas gravadas por Vineyard e outros grupos mais recentes. O que há de Bíblia nelas? Que passagens bíblicas são citadas? Que pontos doutrinários vêm à lume (a não ser “teologia da prosperidade”, “quebra de maldição”, “cura interior”, “teologia do poder”, etc).
Mas chega de falar do que está errado. Vou mostrar um caminho melhor. Ontem e hoje eu estava ouvindo no carro o CD “Viajar” e “Tudo ou Nada”, de VPC. São dois discos de vinil que foram re-masterizados e compilados num único CD. O primeiro é de 1989. O segundo foi gravado pela 37ª Equipe em 1983. À medida que as músicas eram tocadas, eu praticamente ouvia doutrina e Bíblia o tempo todo. Veja você mesmo:

Quem Quiser (Jorge Rehder)

Quem quiser a vida amar
E ver melhores dias, tempos de alegria,
Deve evitar falar só por falar,
Parar de mentir, agir de má fé,
Apartar-se do mal, praticar todo bem
Se empenhar pra alcançar a paz.

Porque os olhos do Senhor
Estão sobre os sinceros,
Humildes e retos de coração.

Percebeu? Esta é uma adaptação de 1 Pedro 3.10. Agora me diga se você tem ouvido em abundância hoje músicas como Tudo ou Nada, do Sérgio Pimenta?

Tudo ou nada, pega ou larga de vez.
Quem lançar a mão no arado não pode olhar pra trás
O trabalho é pesado e será ainda mais.
Quando for demais o fardo, há em quem descansar.
Cristo, sempre pronto e perto, vai ajudar
A quem realmente assumir,
Diante dele e de todos, compromisso de seguir
Seus passos, fielmente até o fim.

Ainda analisando o repertório do disco “Tudo ou Nada”, a música O Amor do Meu Jesus traz uma adaptação e aplicações de Romanos 8.31-39. O texto de 1 Coríntios 2.9 foi musicado ipsis literis na faixa seguinte. A próxima faixa, Deus é Fiel traz um trecho do Salmo 32 em sua letra. Cristo, Meu Mestre fala da redenção objetiva na cruz e o resultado dessa redenção na vida do que crê. A música Amo o Senhor é adaptação de vários trechos bíblicos com os benefícios de clamar ao Senhor em oração. A próxima faixa, Examinai as Escrituras é a musicalização de João 5.24 e 39. 1 Pedro 5.7 aparece relacionado com Mateus 6.25-34 na música Lancemos Sobre Deus, destacando as palavras de Jesus nos ensinando que Deus Pai, em seu grande amor, tem cuidado de nós.
Parece que hoje a preocupação principal é com o valor poético, mais do que com o conteúdo bíblico. Não está na moda lançar um disco somente de Salmos (Louvor III - VPC) já há muito tempo. Eu quero defender a tese de que é possível conseguir aliar poesia e Bíblia, poesia e doutrina, sem prejuízo de uma em relação a outra. Para isto, recorro aos poemas criativos e bíblicos do Stênio Marcius, como Vou Pescar, que diz assim:

Vou pescar!
Parece que acordei de um longo sonho,
Parece até que eu parei no tempo,
Parece até que nada aconteceu!
Vou pescar!
Quem sabe Ele apareça novamente,
Quem sabe volte a me chamar de amigo,
Quem sabe chegue andando sobre as águas,
Quem sabe?
O Homem junto à fogueira convida pra ceia,
para uma conversa sincera!
Brasas queimando na areia
E dentro de mim a lembrança de tê-lo negado,
Por nada!
É a hora da verdade aqui em volta da fogueira
Melhor lançar tudo que é palha no fogo!
Olhe bem dentro dos olhos do Homem que reparte o pão
E me diga se alguém é capaz de enganá-lo?
Tu sabes todas as coisas,
Tu sabes do meu amor por Ti!
Tu sabes todas as coisas,
Tu sabes do meu amor por Ti!
Vou pescar...

Porque precisamos ouvir mais Bíblia e doutrina,

Charles Melo

2 comentários:

Heleno Filho 17 de maio de 2011 às 09:47  

Como escrever músicas com conteúdo bíblico nesses em que cantores estão mais interessados em vender sua música do que em comunicar a verdade bíblica? Dias em que a leitura das Escrituras têm sido deixada de lado?

Mas a superficialidade dos nossos dias não está apenas na música cristã. O grupo "Roupa Nova" têm sobrevivido mais pelo estúdio que tem e produção musical do que por suas músicas.

Além dos muitos compositores do VPC, gostaria de citar o Josué Rodrigues, que musicou muitos salmos e textos das Escrituras. Gostaria ainda de citar mais dois irmãos que têm composto muita música boa para ser cantada pela igreja, com conteúdo bíblico: Adhemar de Campos e Daniel Souza. Como confessional que sou, aqui e acolá encontro dificuldades em algumas de suas músicas, mas no geral é possível encontrar mais ouro do que lama. O Daniel Souza chega a musicar trechos das Escrituras quase literalmente.

Concluindo meu comentário: 1.Independente do compositor, nosso crivo sempre será a Palavra de Deus. 2. Devemos nos lançar ao exercício de cantar mais sobre quem Deus é, seus atributos e sua mensagem de salvação do que sobre o "eu" que tem sido exaltado nestes dias.

Grande mensagem, Charlão. Pertinente e desafiadora. Abraços!!

Anônimo,  23 de maio de 2011 às 09:51  

Perfeito!
O que os músicos cristãos precisam ter na mente é que entre cantar uma música "agradável aos ouvidos" (um critério totalmente pessoal, eu sei) ou cantar bíbia (sendo esta segunda escolha associada às músicas menos populares), cantar a bíblia é mais importante! Não entendo como isso pode passar batido...
bjim!

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